quinta-feira, 29 de março de 2012

SUSTO DE MORTE

Faz hoje um ano... Que ano! Grandes mudanças na minha vida. Dia 29 de Março de 2011; dia de aniversário da esposa; dia de consulta no urologista às l8 horas, para jantarmos depois em casa da filha mais velha, em Lisboa. l8 horas, 18.30,19, 20... Todos os doentes a serem atendidos à minha frente. Já apreensivo, fui chamado, em último lugar. Médico de expressão tensa, palavras soltas sem grande nexo, como se sente, tudo bem? Relatório de biópsia aberto em frente, até que por fim, esgotado o intróito, disparou: _É que... sabe, há aqui um problema, isto também é difícil para nós... E eu prefiro ser directo e dizer a verdade aos doentes! Está aqui o resultado do exame histológico da próstata e... deu positivo... Adenocarcinoma... Cancro da próstata!
      Passou-me uma nuvem pelos olhos, secou-se-me a boca, o cérebro ficou momentaneamente anestesiado, julguei perder o equilíbrio, mesmo sentado. Um calafrio percorreu-me o corpo petrificado. O médico, observando-me com o olhar experiente adquirido decerto ao longo de tantos anos de situações semelhantes, acrescentou rapidamente:_ Não vale a pena ficar assim; a situação é grave, sim, mas pode-se tratar. A ciência e o conhecimento na medicina evoluiram muito nos últimos anos e doenças que representavam uma sentença de morte há uns anos atrás, hoje são tratáveis e controláveis por muitos anos.
       O meu cérebro entretanto recomeçara a funcionar. E tudo se atropelou dentro dele. Quanto tempo? Qual o estádio da doença? Quais as probabilidades? Os filhos, os planos, subitamente a derrocada! Para quê tantos anos de construção laboriosa de uma vida, para a ver arruinada num minuto, por um relatório laboratorial? Sacudi estes tenebrosos pensamentos e tentando agarrar alguns vestígios da desaparecida coragem, perguntei: _ Bem, doutor, o que é que há a fazer? Quais são as possibilidades, que hipóteses tenho, por onde vamos começar?
     Mais uma hora de explicações, informações, requisições da bateria de exames a efectuar nos dias seguintes, para se tomar a decisão sobre a opção de tratamento a seguir. Lá fora esperava a esposa dedicada, adivinhando o pior... Quando me viu, bastou olhar-me nos olhos para confirmar as suspeitas, antes de serem necessárias palavras. E começou logo ali a transfusão anímica. Saímos para o fresco da noite, onde inspirei o ar frio a plenos pulmões. De repente, todos os pequenos problemas de há um par de horas atrás eram insignificantes, tudo perdera o valor, as prioridades inverteram-se, a relatividade das coisas ficou evidente num ápice. Subitamente, tudo o que era prioritário, passou para segundo plano. E o cérebro, retemperado, começou a reunir todos os meus recursos e a dirigi-los para o combate que se avizinhava. E fomos jantar, não querendo estragar a noite que a filha tão carinhosamente preparara, completamente alheada do drama interior que em mim se desenrolava. Com sorrisos forçados e em tons de amarelo, a garganta apertada pela angústia e a recepção do estômago fechada para melhores dias, lá aguentei estoicamente. Os dias seguintes foram passados a saltar de clínica em clínica, de laboratório em laboratório. O medo, sempre presente, a resignação a instalar-se paulatinamente. O que tiver que acontecer, pois que seja! A minha vida sempre esteve nas mãos de Deus, se Ele pensou em chamar-me já, pois terei que ir! E os filhos, ainda não independentes? Apesar de tudo, se fosse há uns anos atrás seria pior, apanhá-los-ia mais desprevenidos, menos preparados, mais frágeis, a sobrecarregar demasiado a mãe. Quatro dias depois, já reunira todos os exames e lá fui, com os envelopes fechados, cujo conteúdo definiria o rumo a tomar, as melhores ou piores perspectivas. E novo momento de angústia, de medo, a vida suspensa daquelas películas levantadas ao alto para melhor observação. Um silêncio aterrador, que nunca mais se quebrava, até que por fim, quando já adivinhava o pior, o médico se pronunciou: _ Bom, sempre é o que eu pensava; o tumor ainda não se espalhou, não há metástases, podemos optar pela braquiterapia. Suspirei  com algum alívio. A operação  efectuou-se logo de seguida, a 11 de Abril. Ainda apanhei mais um susto, com o intestino grosso paralisado durante 22 dias, pela anestesia.
    Este ano passou numa correria. Houve rotinas alteradas, mudanças profundas na minha vida, mas sobretudo alterações na abordagem a situações do quotidiano. As prioridades alteraram-se, o tempo passou a ter muito mais importância que antes. Passei a não querer adiar nada, a não fazer nenhuns planos a médio prazo, a dar muito pouca importância ao futuro. Haverá futuro?
   A espada de Dâmocles continuará suspensa sobre o meu pescoço. Tentarei segurá-la enquanto puder. Como disse, a minha vida está como sempre esteve, nas mãos de Deus. Parafraseando Miguel Portas, "quem tem um cancro, tem-no para sempre".
    Faz hoje um ano...

quarta-feira, 28 de março de 2012

PRODUTIVIDADE

    As alterações às leis laborais e a redução do número de feriados e de dias de férias, trouxeram de novo para a discussão pública, a questão da produtividade em Portugal, ou da falta dela. Este tema permite muitas abordagens, dependendo do lado de quem o está a analisar. Os patrões dizem que a culpa é dos empregados, que produzem pouco; estes, culpam os empresários que, segundo eles, têm défices de habilitações, de conhecimentos e de espírito empreendedor. Penso que a razão está de ambos os lados. As estatísticas colocam Portugal  30% abaixo da média da União Europeia, na produtividade. Os trabalhadores e seus sindicatos defendem-se, referindo que em Portugal já se trabalha mais horas do que na maioria dos outros países, portanto o problema não é da força de trabalho. Além disso, no estrangeiro os portugueses são considerados dos melhores trabalhadores que há. Pois... Mas a produtividade não pode ser apenas medida pelo número de horas de trabalho. Será que lá fora se fazem tantos intervalos para vir à rua fumar cigarros como nós vemos nas imediações das sedes das grandes empresas portuguesas? Ou consultas ao mail pessoal, facebook ou "sites" de internet no computador do escritório ou repartição, ou telefonemas particulares longos e frequentes para falar de questões banais ou para tratar de assuntos particulares?... Ou dos gestores e directores de empresas e organismos que medem a sua capacidade e modernidade de gestão pelas apresentações muito bonitas em powerPoint, muitos mapas e gráficos, e pelo número de reuniões que convocam, muitas delas perfeitamente redundantes e desnecessárias, numa febre de "reunite" só porque é moderno e fica sempre bem, retirando assim centenas de horas anuais de trabalho a quem é obrigado a estar presente nelas? Não andamos todos a fingir que não vemos que o rei vai nú?

domingo, 25 de março de 2012

E O BURRO SOU EU?

     Luís Marques Mendes disse no seu comentário na TVI 24, que Eduardo Catroga fez de todos nós parvos, por há menos de um ano ser o chefe da delegação do PSD nas negociações do programa de assistência financeira a Portugal, com a troika, onde um dos pontos do programa obrigava a renegociar em baixa as rendas consideradas excessivas pagas pelo Estado português a empresas fornecedoras de energia, nomeadamente a EDP. Alguns meses depois, já como presidente do Conselho Geral e de Supervisão da empresa, vem dizer que o que ele próprio negociou, não é bem assim, que não se pode falar em rendas excessivas, que há contratos assinados, compromissos assumidos, blá blá blá... Que os políticos em geral são uns mentirosos e que caíram num completo descrédito na opinião pública, já não é novidade para ninguém. Que hoje numa determinada posição dizem uma coisa e amanhã noutra dizem exactamente o contrário, também já não nos surpreende. Neste caso em concreto, parece-me que mais do que fazer de todos os portugueses parvos, o que ele fez em primeiro lugar foi "o ninho atrás da orelha" aos seus correlegionários de partido, quando se fingiu demasiado velho e cansado para assumir o lugar de ministro das finanças de Passos Coelho, onde iria acumular canseiras, preocupações monumentais, horários de trabalho impensáveis, para receber pouco mais de 70.000€ anuais, para logo a seguir assumir um dos lugares mais apetecíveis em Portugal, onde tem que comparecer a umas tantas reuniões anuais a troco das quais recebe à volta de dez vezes mais, ou seja uns 700.000€ por ano. Como diria um ex-seleccionador nacional de futebol "E o burro sou eu, e o burro sou eu??"

quinta-feira, 22 de março de 2012

ENCERRAMENTOS

     Vão ser encerradas esquadras de polícia em Lisboa e no Porto. O motivo invocado é a baixa produtividade, aqui medida pelas poucas queixas e participações entregues. O pretexto é perverso e obedece a uma lógica maquiavélica, que já vi aplicada por exemplo no encerramento de linhas férreas. No caso das esquadras, o código penal ainda em vigor, que transformou os criminosos em vítimas e os cidadãos cumpridores em delinquentes, desincentiva completamente alguém a apresentar queixa contra quem e o que quer que seja, porque não vale a pena e arranja-se uma série de sarilhos. Assim, colabora-se com a estatística que apura uma redução da criminalidade e um número excessivo de esquadras. No caso das linhas férreas, começa-se por ir suprimindo composições, principalmente aquelas que melhor serviam as populações: deixa de se investir na manutenção das vias e do material circulante. Finalmente quando já não há passageiros e o material está podre e a cair aos pedaços, encerra-se por motivos de segurança! Quem diz que não há gente inteligente nos governos de Portugal?

quarta-feira, 21 de março de 2012

DÍVIDAS AUTÁRQUICAS 2

      Tal como aqui referi no "post" colocado no dia 28 de Fevereiro, as dívidas das autarquias serão o próximo buraco a ser-nos apresentado. O governo estipulou o dia 15 de Março como data limite para a comunicação das dívidas acumuladas por cada câmara municipal. Há cerca de um mês o valor estimado era de oito mil milhões de euros, hoje fala-se de doze mil milhões e o ministro Miguel Relvas já veio referir o valor de quinze mil milhões, pequenas diferenças, portanto! Até ao valor final, ainda vai crescer mais um "pouco", como é habitual. Enquanto a torneira do crédito barato e abundante jorrou, tudo lá foi beber: Estado central, administração local, empresas e famílias. Agora que aquele acabou é que se pensa como se vai pagar, declaram-se insolvências, contabilizam-se buracos disfarçados durante anos e ouvem-se mais lamentos do que junto do célebre muro de Jerusalém. No caso das autarquias hão-de receber uma preciosa ajuda no próximo ano, quando começar a ser apresentado às famílias o IMI com os novos valores aumentados em 300, 500 e 700%... A menos que se comecem a entregar as casas à câmara como alguns estão a entregar ao banco, é pagar e... cara alegre!

terça-feira, 20 de março de 2012

MENTIRA=CRIME

     Soube-se hoje que uma das alterações que vão ser propostas ao código penal, é a criminalização da mentira. Mais concretamente, mentir ao Estado, falsificando declarações de impostos por exemplo, pode significar até um ano de prisão. Ora vivendo nós num país onde a mentira é uma instituição e a fuga ao fisco um acto de heroísmo, se isto fosse para levar à letra bem podiam começar a construir uma prisão que começasse em Beja e terminasse na Serra do Caldeirão...

quinta-feira, 15 de março de 2012

ALTERAÇÕES FISCAIS

      O ministro das finanças afirmou hoje que pondera fazer profundas alterações no sistema fiscal, depois de terminado o programa de assistência financeira, portanto lá para 2014. Confesso que quando ouço falar de alterações na fiscalidade fico logo nervoso. Fazendo parte da defunta classe média portuguesa, integrando assim o espoliado grupo que sustenta o país há décadas, alterações no sistema fiscal deve ler-se sempre como aumento de impostos para os trabalhadores por conta de outrém! Em tempos, eu pagava o imposto profissional sobre o ordenado que recebia. Como os cofres públicos reclamavam por mais, foi criado o imposto complementar e passei a pagar os dois. Algum tempo depois, o governo da altura decidiu fazer uma "revisão à fiscalidade" e estes dois impostos foram extintos sendo substituídos pelo IRS, de valor superior ao conjunto dos outros dois, claro. Este também substituiu o antigo imposto de capitais que incidia sobre os juros de depósitos, nessa altura de 15%. Agora já vai em 21,5%... O IMI, noutra "alteração fiscal", veio trocar o nome à antiga contribuição autárquica e aumentar-lhe as taxas, pois então. Prepara-se agora um autêntico assalto ao bolso de quem tem casa própria, com aumentos do valor do imposto em alguns casos de 700%!!! Quem tem casa própria para não pagar renda, passa a pagar duas rendas da casa: uma ao banco e outra à câmara municipal.
         Os que pensam que se atingiu o limite do esbulho fiscal, são sempre apanhados de surpresa pela criatividade demonstrada pela trituradora em que se transformou a máquina fiscal portuguesa...

quarta-feira, 14 de março de 2012

E A CHUVA, SENHOR?

     Um mal nunca vem só, diz o povo com razão. Com a situação terrível que o nosso país está a atravessar, só nos faltava um Inverno sem chuva para ajudar. As semanas e os meses sucedem-se sem cair sequer um aguaceiro. A continuar assim, em breve os criadores de gado terão que mandar abater os animais para não os verem morrer à fome. Não há pastos, as forragens guardadas para o Verão já estão a ser consumidas, a palha apesar de cara, já se esgotou dos dois lados da fronteira e não é viável alimentar grandes manadas ou rebanhos com rações. E como o problema é em toda a Península Ibérica, tenho alguma curiosidade em ver como vão agir os espanhóis em relação aos rios internacionais. Eu sempre afirmei que apesar da existência de acordos sobre a manutenção de caudais mínimos para os rios internacionais e de uma convenção sobre os rios ibéricos, os nossos vizinhos, os maiores consumidores de recursos hídricos da Europa, só deixarão passar para este lado a água que entenderem. Em anos de fartura, tudo se cumpre, ninguém se zanga. Veremos se o plano hidrológico espanhol que há muito contempla um vasto programa de transvases dos rios do Norte para os do Sul, não nos vai deixar ainda mais secos do que já estamos...

terça-feira, 13 de março de 2012

EXPORTAÇÕES

     Temos o hábito em Portugal de dar especial relevância a tudo o que é negativo. Isto é válido para a população, em geral, o que contribui significativamente para o nosso estado de espírito taciturno, depressivo, mas é também a linha seguida pelos meios de comunicação social. Lemos e ouvimos diariamente notícias que nos dão conta de mortes, assaltos, acidentes, guerras, atentados, fome, desemprego, défices, falências. Mas, também há notícias animadoras, que são muitas vezes relegadas para segundo plano. É o caso dos números agora conhecidos sobre as exportações portuguesas. Estas, em 2011 cresceram 15,1% face a 2010, sendo que metade tem como destino apenas três países da Europa, Espanha, Alemanha e França. Este número já era conhecido, mas como em Dezembro tinha havido uma queda para 4,4 %, havia alguma expectativa sobre os dados a Janeiro. Ora estes foram bastante positivos, tendo havido um crescimento de 13,1% em termos homólogos. Outro aspecto relevante é que aumentou a percentagem de exportações para destinos fora do espaço europeu, tornando-nos assim menos dependentes de um mercado que atravessa enormes dificuldades. A acrescer a tudo isto as nossas importações decresceram 7% no trimestre em contraponto com um crescimento das exportações em 10,9% em igual período. Fica assim mais equilibrada a balança de trocas com o exterior, cronicamente deficitária. São dados positivos, infelizmente os únicos, mas que são a grande esperança de servirem de âncora para a nossa recuperação económica. E são a prova de que os portugueses têm capacidade para reagir às adversidades e que se o mercado nacional é pequeno e está em recessão, então vamos lá para fora, dar-nos a conhecer e a mostrar aquilo de que somos capazes! É a aplicação prática do velho provérbio  que diz: "É a fome que põe a lebre ao caminho"!!

segunda-feira, 12 de março de 2012

PENSÕES DE REFORMA

     Ouvimos ontem notícias alarmantes sobre a situação financeira da Caixa Geral de Aposentações (CGA). Com a pouca fiabilidade que as notícias têm em Portugal, não sei se a referência diz apenas respeito à CGA ou a todo o universo do sistema de pensões da Segurança Social. O défice é enorme e cresce a cada dia que passa. As razões apontadas são bem conhecidas: envelhecimento da população, aumento da longevidade, redução drástica da entrada de novos contribuintes. Se tudo isto é verdade, há outras razões de que nunca se ouve falar. Os trabalhadores são obrigados a descontar uma percentagem do seu vencimento, numa óptica de poupança a longo prazo, de um mealheiro. Quando se reformam está lá esse dinheiro para lhes garantir uma subvenção vitalícia. Ou pelo menos devia estar... O problema é que o Estado vai gastando o dinheiro que entra no mealheiro e o sistema tem sempre funcionado numa base de solidariedade inter-geracional, em que os novos vão descontando para ir pagando aos mais velhos. Como os novos são cada vez menos e os velhos cada vez mais, o sistema entrou em pré-colapso. É que o dinheiro que nós pusemos no mealheiro também já tinha sido gasto para pagar a outros, lá mais atrás... Depois há a política social feita com esse mesmo dinheiro que as pessoas descontaram. Nos regimes não contributivos, os pensionistas estão a receber uma pensão embora nunca tenham efectuado qualquer desconto. Esse dinheiro devia sair do orçamento geral do Estado, mas tem saído todo do mesmo bolo, ou seja, do orçamento da Segurança Social. Claro que assim não há orçamento que se aguente! A juntar a tudo isto, temos um lote sempre crescente de pessoas especialmente oriundas do mundo da política, que sem terem feito praticamente descontos vão beneficiar de pensões de valores normalmente mais elevados do que aqueles que descontaram toda uma vida. E quando nos vierem anunciar que a panela está vazia, a ração será igualmente reduzida para quem descontou 40 anos e para quem nunca descontou nada. É isto que é a justiça social e a solidariedade à portuguesa!

quinta-feira, 8 de março de 2012

TRIBUNAL DE MENORES

      Por vezes ouvimos falar em casos de famílias carenciadas, com graves desvios comportamentais, normalmente associados ao alcoolismo, prostituição, consumo de drogas, que tem como consequência maus tratos e abandono de filhos menores. Nestes casos, habitualmente as comissões de protecção de menores encaminham-nos para os tribunais de menores que retiram aos pais a tutela sobre os filhos, entregando-os a instituições para deles cuidarem.
      Nos últimos dias, têm-se multiplicado as notícias que nos dão conta da extrema penúria que se abateu sobre instituições e serviços absolutamente essenciais ao funcionamento de um país moderno e civilizado: frotas de carros de polícia imobilizadas por falta de peças e de combustível, quartéis de bombeiros praticamente desactivados por igual motivo, hospitais a pedirem compressas cirúrgicas emprestadas para não terem que cancelar cirurgias, etc. Em contrapartida temos uma rede de autoestradas só comparável à do estado federado da Renânia-Vestefália, na Alemanha. Em algumas das nossas faltam apenas os carros... É claro que foram todas mandadas construir com base em estudos muito rigorosos, em que estiveram absolutamente ausentes negociatas com grandes firmas construtoras e pressão de lobies de autarcas influentes sobre o poder central! E que dizer dos estádios de futebol construídos para o Euro 2004, vários deles ao abandono, sem dinheiro para manutenção, verdadeiros monumentos ao desperdício?
        Com tanta asneira acumulada ao longo de anos e verbas colossais desperdiçadas, chegámos ao fim da linha. Fomos considerados inabilitados para gerir o nosso próprio destino. Emprestaram-nos dinheiro para podermos continuar a funcionar, mas com as regras impostas pelos credores. E como não confiam em nós, só vão libertando as tranches mediante inspecções trimestrais. A humilhação é um dos preços a pagar pela má gestão dos últimos 25 anos. Passaram-nos um atestado de menoridade. E o nosso "tribunal de menores" chama-se Troika...

quarta-feira, 7 de março de 2012

NOVOS EMIGRANTES

     Temos tido conhecimento, desde há uns dias, de situações dramáticas vividas por portugueses que saem de Portugal para procurar trabalho em outros países europeus. Gente que dorme em carros durante quinze dias, ou em estações de comboios, que passa fome, que deambula pelas cidades inglesas ou suíças e acaba por ir bater à porta das igrejas para obter pelo menos um pouco de comida. Situações que pensávamos não voltar a ver a compatriotas nossos, desde a década de 60, dos tempos dos "bidonville". Especialmente depois de nos terem dito em 1974 que esses tempos tinham acabado! E como é que chegámos de novo aqui? Aconteceu-nos algum desastre natural? Algum cataclismo? Não, apenas má gestão, irresponsabilidade, políticas criminosas dos diversos governos que temos tido, especialmente desde 1986, ano da nossa adesão à CEE. Eles endividaram o Estado até um nível insustentável que seria impossível manter logo que a economia deixasse de crescer, como aconteceu. E sabiam que ia acontecer e que a conta chegaria, um dia. As famílias também se endividaram? Claro, a banca precisava de "despejar" crédito, para apresentar centenas de milhões de lucro, para distribuir prémios e dividendos. Crédito com dinheiro quase todo vindo de fora, emprestado. Não havia supervisão? Sim, dizem que havia... E quem foram os responsáveis? Não sabemos quem são? Na Islândia estão a julgar o seu antigo primeiro ministro, por o considerarem responsável pela sua bancarrota. E nós? Nós premiamos os nossos. Um é presidente da república, outro é alto comissário da ONU para os refugiados, outro é presidente da comissão europeia, outro é vice presidente do banco central europeu e outro está a passar umas férias douradas em Paris. Afinal também há excepções para um dos meus ditados preferidos: "Cada um tem aquilo que merece"... 

sexta-feira, 2 de março de 2012

O PAÍS DOS "MEGAS"

       Foi amplamente divulgada ontem, pela comunicação social, mais uma mega-operação policial, desta vez no Porto. Gostamos muito deste prefixo "mega", nós, portugueses! O livro dos recordes, o "Guiness", que o diga... Não deve haver nenhum país com tantas entradas como o nosso. Mega feijoadas, mega bolo-rei, mega torta,mega churrasco, mega pizza, enfim, connosco é tudo em grande! Noutro registo, temos os mega julgamentos, normalmente realizados num salão de bombeiros ou num pavilhão desportivo, onde se desenrolam as sessões, com 60 ou 70 arguidos, durante meses e às vezes anos, até que no fim 50 são absolvidos, 8 condenados com penas suspensas e 1 ou 2 apanham cinco ou seis anos de prisão que nunca chegam a cumprir porque vão apresentando recurso atrás de recurso até o crime prescrever. No final todos ficam satisfeitos e dizem que se fez justiça...
        Em relação às grandes operações policiais, na minha opinião, servem apenas para dar aos cidadãos uma (falsa) sensação de segurança. Enorme aparato de agentes e de meios, umas multas aplicadas, uns gramas de estupefacientes apreendidos e, na conferência de imprensa que sempre se faz e onde invariavelmente se enaltecem os resultados sempre muito positivos, anunciam-se uns números e umas detenções, até ao dia seguinte é claro. Há uns dois anos atrás, num sábado ao princípio da noite, na A-23, todos os veículos eram desviados para a área de serviço de Abrantes onde os esperava uma autêntica zona de guerra. Eram as forças especiais da GNR, as da PSP, do SEF, todos armados até aos dentes, agentes espalhados por toda a área com armamento ligeiro e pesado, dezenas de viaturas policiais, jipes, bem, parecia que tinha havido algum golpe de Estado, tal era o aparato policial e militar que ali havia. Só faltava a força aérea e os submarinos... E para quê tudo isto? Àquela mesma hora, na zona de Abrantes, havia assaltos a decorrer certamente aproveitando a rectaguarda desguarnecida... E estas operações eram ordenadas pelo mesmo ministro que havia alterado o código penal de tal forma que deu no resultado que todos agora vivemos, com os criminosos soltos pelos tribunais e com os polícias a serem gozados pelos assaltantes e delinquentes que lá foram entregar. Entretanto, vamos brincando aos polícias e ladrões, com resultados sempre muito positivos, claro...

quinta-feira, 1 de março de 2012

"TROIKICES"

       Há uns dias ouvi o secretário geral do PS fazer uma afirmação em que eu não queria acreditar: que não foi ele que assinou o programa de assistência financeira com a "troika". Bom, que não foi ele, bem o sabemos. Mas esta afirmação revela uma enorme irresponsabilidade e falta de sentido de Estado. Irresponsabilidade porque um dos poucos trunfos de que Portugal dispõe para ir percorrendo o seu calvário sem maiores percalços é o de ter e mostrar que tem uma ampla base de apoio ao cumprimento do acordo que foi celebrado e que há coesão social e política que a suporte. Ora esta afirmação levanta enormes interrogações e dúvidas sobre a determinação da manutenção dessa coesão e apoio. Falta de sentido de Estado precisamente por pôr em causa a estabilidade política e paz social necessárias à prossecução e bom resultado final do acordo celebrado e originado, é bom lembrar, pelo seu próprio partido. Ou não é isso que se pretende, que ele resulte? Queremos antes enveredar pelo caminho da Grécia? Então se um dia for primeiro ministro, vai pôr em causa as leis ou normas que foram votadas e assinadas antes, por outros? Com esta linha de pensamento, nas empresas, cada vez que mudasse o conselho de administração, se o novo não concordasse com contratos anteriormente assinados deixava de os cumprir? Ou que tal, um banco alterar a taxa de juro, as comissões cobradas e outras cláusulas num contrato de empréstimo, e o actual gerente da agência justificar-se que não tem nada que ver com isso porque não foi ele que assinou o contrato, foi o anterior?
       Pessoalmente, acho que a afirmação não reflecte o que ele pensa verdadeiramente, até porque até agora tem sempre dito o conrário. É apenas uma tentativa para conseguir aquilo que já todos perceberam que não consegue: ter mão no partido. E actualmente cai sempre bem dizer que a troika é a responsável por todos os males que afligem o país, mesmo que o país vá funcionando com os cheques que essa mesma troika assina de três em três meses. É que se o PSD está cheio de barões, uns barrosistas, outros cavaquistas, marcelistas, santanistas, passistas, mendistas, ou, talvez até quem sabe, ferreiraleitistas, o PS por seu turno, está cheio de senadores, uns guterristas, outros sampaístas, soaristas, alegristas, socratistas e seguristas. E tão ou mais difícil que governar o país, é por vezes gerir e refrear tantas tendências, tantos interesses instalados e jogos de poder em que se transformaram os principais partidos em Portugal.