quinta-feira, 21 de novembro de 2013

A HIERARQUIZAÇÃO NA CONSTITUIÇÃO PORTUGUESA

     Hoje à noite vai haver um encontro na Aula Magna da Universidade de Lisboa, com a presença de muitos políticos conhecidos, de vários quadrantes e outras figuras da sociedade civil portuguesa. O tema, parece que é a defesa da constituição da república portuguesa. Eu creio que a constituição não está em perigo, pois para ser alterada são necessários 2/3 de votos na assembleia da república, sendo para isso imprescindível o acordo do PS, que não se mostra disponível para tal. Como existe um tribunal constitucional que, embora pressionado por todo o lado, tem a necessária independência para fazer a sua análise e decidir em conformidade, sobre as leis que lhe são colocadas para apreciação, as garantias de que, para já, tudo está a funcionar dentro da normalidade, parecem-me evidentes. Sobre as pressões e o orçamento de Estado para 2014, não me vou agora pronunciar. Gostava no entanto de deixar aqui uma sugestão e um tema para enriquecer o debate de tão doutas personagens que com tanta garra e denodo defendem alguns artigos da constituição, esquecendo outros que desde sempre estão esquecidos.
     Ora diz o artº 74 da constituição da república portuguesa, no seu ponto 2, alínea e) que "Na realização da política de ensino incumbe ao Estado: estabelecer progressivamente a gratuitidade de todos os graus de ensino". Repare-se bem: TODOS os graus de ensino, portanto, desde o ensino pré-escolar ao último grau do ensino superior. Ora daqui depreendo que uma boa parte dos mestrados ministrados nas universidades públicas estão feridos de inconstitucionalidade. Para não falar já das licenciaturas. De facto, o processo de Bolonha, que quanto a mim, não teve outro objectivo, senão pôr os pais a pagar os dois últimos anos da licenciatura, a que passaram a chamar mestrado, separou as antigas licenciaturas de 5 anos em duas partes, em que a primeira tem um limite para o valor das propinas cobradas e o segundo é livre. E se o valor máximo de 1000 € anuais na licenciatura, à luz deste artigo 74, já é inconstitucional, o que dizer quando esse valor passa para mais de 5000€, como estou a pagar por cada um dos meus filhos? Ora aqui está um bom tema para os políticos debaterem logo à noite. É que para mim, os artigos da constituição não têm hierarquia. São todos importantes e se não são exequíveis ou deixaram de fazer sentido nos dias que correm, então têm que deixar de lá estar. Se eu me queixar ao provedor de justiça, sobre o dinheiro que estou a pagar, para ele suscitar a verificação da constitucionalidade do valor destas propinas, ele fá-lo-à? Ou limitar-se-à a sorrir ironicamente e a colocar a minha carta no lixo?

quinta-feira, 14 de novembro de 2013

AS INCONTINÊNCIAS VERBAIS DE MACHETE

 Rui Machete, em mais uma das suas incontinências verbais quando está fora do país, disse esta semana na Índia que Portugal só escapará a um segundo resgate se as taxas de juro nos mercados, entretanto baixarem para um máximo de 4,5%. A afirmação é altamente irresponsável, pois estabelecer números concretos, ou seja, uma meta, corresponde a desafiar esses mercados a não chegar ao número desejado. Os chamados "mercados financeiros", são, em teoria, compostos por fundos de pensões, bancos de investimento, fundos de acções e obrigações, mas que em boa parte não passam de  puros especuladores, que se dedicam a jogar contra tudo o que lhes proporcione bons lucros e que ultimamente se têm dedicado a atacar as dívidas públicas de países sobreendividados e mais fracos financeiramente. Quando no desempenho da minha actividade profissional, me vinham pedir um empréstimo e nem queriam saber qual a taxa de juro a praticar, eu ficava imediatamente desconfiado da seriedade do devedor. Era um imediato sinal de alarme de que, provavelmente, o negócio iria correr mal. Há anos que afirmo que a dívida pública portuguesa não é sustentável e que Portugal não a consegue pagar nos moldes em que está escalonada. Digo isto desde que o rácio da dívida ultrapassou os 100% do PIB e quando Portugal ainda tinha algum crescimento. Como é que é possível pagar uma dívida, quando todos os anos temos um défice superior a 4%, que tem que ser financiado com emissão de mais dívida e um crescimento da economia pouco maior que zero? Era evidente que ela crescia todos os anos. Agora, aumente-se o défice e a economia em vez de crescer, entra em recessão, o que tem como consequência o disparar do rácio da dívida até aos actuais valores de 130% e veja-se como a iremos pagar! Mas estão loucos, ou a querer fazer dos outros parvos? E andamos a brincar às histórias, à espera que as taxas desçam até Maio do ano que vem? Mas no governo pensam que os analistas dos mercados estudaram na mesma universidade onde eles tiraram os cursos aos 40 anos? Os mercados estão-se nas tintas para que o défice seja de 4,5% ou 4,3%, ou se o desemprego está nos 18% ou subiu para 18,5%. As taxas pedidas o que reflectem é se eles acreditam ou não na sustentabilidade da dívida, na nossa capacidade de a honrar. E como eles acreditam tanto nessa possibilidade como eu, as taxas não irão baixar de modo a evitar um 2º resgate. No entanto, como eu digo, e como nós nunca iremos pagar dívida nenhuma nos moldes em que está escalonada, tanto faz ir aos mercados a 4,5%, como a 8%! Quem não tem intenção de pagar, não quer saber de taxas, recordam-se?

sexta-feira, 1 de novembro de 2013

A JUSTIÇA SOCIAL À PORTUGUESA (SEM AMEIJOAS)

   Nas primeiras páginas dos jornais de ontem, dia 31/10, fazia manchete o seguinte título: "Rendeiro paga 2 milhões para continuar em liberdade". Nas capas dos jornais de hoje 1/11, sai a seguinte notícia: "Rendeiro vive com rendimento de 600 € mensais". Mais em baixo lia-se que " o governo quer indexar os passes sociais aos rendimentos de cada família". Não me custa a acreditar que ambas as notícias referentes a João Rendeiro são verdadeiras, não constituindo para mim nenhum contra-senso. É apenas uma amostra de como se vive em Portugal arrancando do Estado ajudas, subsídios e benefícios e iludindo o fisco de forma ostensiva e com permissividade total. É a ilustração do estado de coisas contra as quais ando a bradar há anos. E, em vez de ver o problema em vias de resolução, vejo-o é agravado. A pouco e pouco, tudo é medido em função do rendimento. E como se sabe o modo como é apurado e declarado o rendimento em Portugal, vê-se bem a justiça fiscal e social em que vivemos. Gente como Rendeiro, que tem milhões ao fresco em paraísos fiscais e outros locais discretos, não têm rendimento declarado em Portugal e por isso podem ter isenção de taxas moderadoras no sector da saúde, subsídios de renda, ou para ter filhos nas creches ou bolsas de estudo em universidades, refeições à borla nas escolas, apoio judiciário se for o caso, cláusula de salvaguarda no aumento do IMI, e agora até pode ter desconto nos passes sociais em transportes públicos! A este Rendeiro e outros milhares de Rendeiros, podem juntar-se os comerciantes, industriais, ENI'S, profissionais liberais, todos os que declaram prejuízos ou rendimento igual ao salário mínimo nacional, mas cujos filhos chegam à universidade que frequentam com bolsa de estudo, no mercedes do pai ou no jipe BMW da mãe. E a isto chamam os nossos governantes, os actuais e os do passado, "justiça social" "equidade" "progressividade fiscal" e outras tretas. E no outono da vida, quando lhes é atribuída uma pensão de 600€, que não tem cortes porque é uma pensão muito baixinha, regozijam-se com os cortes nas dos outros, os "tansos fiscais" que lhes pagaram os subsídios todos que "mamaram" ao longo da vida à custa da mentira fiscal em que sempre viveram, os outros que por serem empregados por conta de outrém nunca puderam fugir com um cêntimo ao sugadouro imposto do Terreiro do Paço. Os tais a quem é preciso cortar, cortar e cortar, até ficarem com a pensão igual à deles, em nome da equidade e da justiça fiscal! Adoro esta "nossa democracia"! Este "socialismo democrático" e esta "social democracia" tão sui generis, tão sui generis, que na escandinávia estão a pensar enviar uma comissão de estudo para aprender a fazer justiça social e fiscal à moda de Portugal...