Tenho saudades do Natal. Não deste, que vamos comemorando anualmente a 25 de Dezembro, mas daquele que se vivia na minha infância. Não é então o mesmo Natal? Não, não é! Ou melhor, o Natal é o mesmo, mas a forma como o vivemos e o festejamos, mudou completamente. Claro que é necessário considerar um importante factor: o desencanto adquirido ao longo dos mais de 40 anos que separam os dois momentos em análise. Mas expurgando este pormenor, o que fica é a perda da espiritualidade e da magia que envolvia as celebrações natalícias. Na minha infância, no Natal comemorava-se e festejava-se o nascimento do Menino Jesus, ocorrido há 2000 anos num curral em Belém. Hoje, mal O vejo! Toda a gente celebra o Seu aniversário, mas o aniversariante deixou de estar presente! Não é uma falta de consideração? Os presépios, que nos recordavam anualmente o dramatismo da Sua vinda ao mundo, quase foram substituídos por árvores com bolinhas, chocolates e penduricalhos, e a Sua figura tutelar deitada nas palhas de uma manjedoira, suprida por um simpático e grotesco velhote vestido de vermelho e que não se cansa de dizer oh,oh,oh...
Acreditei até aos sete anos que era o Menino Jesus que, descendo pela chaminé, depositava as prendinhas nos sapatinhos, ordenadamente dispostos em cima do fogão. E vivi cada Natal com esta doce e inocente ilusão, até que, com alguma dose de sadismo misturada com um completo desprovimento de qualquer noção de pedagogia e talvez, quem sabe, algum remoto recalcamento, a minha catequista da altura, me ridicularizou perante todos os outros, pouco antes do início da missa dominical das 10 horas, por, com aquela idade pasme-se, ainda acreditar naquilo que aureolava o meu Natal de fascínio e de magia! Tirando este pormenor da diplomática e benevolente intervenção da catequista no sentido de esclarecer devidamente a criança de 7 anos, que eram os pais e não o Menino que davam as prendinhas, esclarecimento que bem dispensava e intimamente nunca lhe perdoei, o Natal era também a época em que se comiam coisas boas, a que não tínhamos acesso no resto do ano, dando-lhe assim maior valor. Na tarde de dia 24, amassavam-se as filhós e preparavam-se outras iguarias, que ocupavam toda a família e todo o dia. Depois, enquanto a massa das filhós "crescia", esperando que o fermento fizesse o seu trabalho, celebrava-se a tão aguardada consoada, com a ceia de Natal congregando à mesma mesa toda a família, em esfuziante alegria. Pouco depois, o momento principal: todos rumavam à igreja para participar na missa do galo, com festivos cânticos de Natal. E após o regresso, fritavam-se então as filhós, madrugada fora, com a excitação do aproximar da manhã de dia 25 e de, finalmente, correr à cozinha para ver o conteúdo dos mágicos embrulhos em cima e em redor do fogão... Tudo era acolhido com enorme alegria, fosse um carrinho, um boneco, material escolar ou roupa, dada a escassez de meios que caracterizava a generalidade das famílias nessa época.
E hoje? Claro que o Natal continua a ser uma quadra normalmente associada a alegria, a uma maior predisposição para partilhar, sentimento que durante o resto do ano anda mais arredio e à oportunidade de, pelo menos uma vez no ano, se reunir toda a família. Mas... falta aquela tal aura de mistério que, eu acho que desapareceu. Penso que o Natal também tem sido arrastado no processo de banalização em que as sociedades modernas mergulharam quase todos os acontecimentos e eventos. Hoje começa a preparar-se o Natal pouco depois do fim da época balnear. Por vezes, em Outubro já se ouve publicidade alusiva à quadra e as iluminações começam a ser montadas cada vez mais cedo. As estações de televisão massacram-nos com publicidade e programas sobre o tema do Natal desde a mesma altura, de modo que quando chegamos a 25 de Dezembro, já estamos cansados do ambiente que dura há dois meses. As crianças e adolescentes, desde sempre as mais ansiosas pela chegada do Natal, já quase se limitam a abrir freneticamente embrulho após embrulho, saciando a curiosidade sobre o que cada um contém, para, pouco depois, pôr tudo de lado com ar de tédio. Os adultos, por sua vez, instalam-se à mesa, repleta de comida e bebida e à volta da qual se passa cada vez mais tempo. Até o clima deixou de contribuir para o ambiente natalício, com o Verão a prolongar-se cada vez até mais perto de Dezembro.
Acho que se retirou a essência ao Natal e isso está a banalizá-lo. O Natal é cada vez mais a festa do mercantilismo e das grandes superfícies comerciais. O aumento do poder de compra nos últimos anos, da diversidade de bens disponíveis e do endividamento, assim o determina. Basta olhar os contentores do lixo na manhã de 25 de Dezembro... Mas... tudo tem o seu preço!
Tenho saudades do meu Natal!...
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