quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

CAVACO E O ORÇAMENTO

    Cavaco Silva fez o que devia fazer e o que dele se esperava. Ninguém acreditava que, pela primeira vez em democracia, o presidente da república vetasse um orçamento de Estado, precisamente num ano em que o país está sob um resgate financeiro externo. Também se percebe que, pelo mesmo motivo, não solicitasse a fiscalização preventiva ao TC, dado que tal procedimento implicaria que não tivéssemos orçamento em vigor em 1 de Janeiro, com as previsíveis consequências muito negativas na imagem no exterior e implicações nas taxas de juro nos mercados financeiros. Assim, promulgou o orçamento e enviou-o para que o TC se pronuncie sobre 3 artigos, cuja constitucionalidade acha duvidosa: o corte num subsídio aos funcionários públicos, aos reformados, e a contribuição extraordinária a que chamam de "solidariedade", nas pensões acima de 1350 €. Humor negro, por certo, esta "solidariedade" obrigatória! É mais ou menos consensual que o TC irá pronunciar-se pela inconstitucionalidade dos cortes nas pensões. A questão central é, quando. Será que a decisão virá acompanhada da mesma adenda do ano passado, que declarava o orçamento inconstitucional, mas deixava-o em vigor, pelo adiantado da sua execução? Teste de fogo ao chamado "Estado de direito"...
       De resto, toda a comunicação de Cavaco Silva, foi uma repetição do que todos os portugueses que pensam, sabem e ouvem há muito.
       
       "Todos serão afectados, mas uns mais que outros"
     
         É claro que é verdade. Já aqui o tenho repetido inúmeras vezes. São os funcionários públicos e os reformados os eleitos por este governo como principais vítimas e alvo dos sacrifícios. E vêm hipocritamente dizer em todos os discursos que os sacrifícios estão a ser repartidos com equidade...

         "Devemos trabalhar para unir os portugueses e não dividi-los"

           Destinatário bem identificado. Passos Coelho utiliza uma estratégia inaceitável num chefe de governo. Divide os portugueses, pondo trabalhadores do sector público contra os do privado e novos contra velhos, como aconteceu recentemente nas suas inacreditáveis palavras sobre as reformas, num fórum da JSD.

          Depois o PR fala daquilo que todos os economistas e simples cidadãos que pensam pela sua cabeça já sabem há mais de um ano e sobre a qual há uma rara unanimidade:

           "Dificuldades derivam do nível insustentável da dívida"
           "Perdão da dívida não é solução"
           "O problema fulcral está no crescimento económico, sem o que de nada valerão os sacrifícios"
           "Temos de pôr cobro a esta espiral recessiva"

          É sabido que a política económica que está a ser seguida, tinha como consequência a recessão e a derrapagem do défice público, da dívida externa e um aumento do desemprego. Que o que nos trouxe até aqui foi o irresponsável nível de endividamento dos governos anteriores e que sem crescimento económico não sairemos do buraco. Isso sabemos quase todos. A questão é como fazer. Com este esforço de serviço da dívida nunca mais conseguiremos crescer, pois os juros que pagamos esmagam a economia, sugando toda a nossa capacidade de investimento. Não é por acaso que existe a regra do rácio de 60% do PIB como limite do endividamento, limite esse que ultrapassámos para o dobro! Mas não concordo que o perdão da dívida não é solução. Mais; acho e tenho-o dito há mais de 3 anos, que é uma de duas soluções possíveis. Ou nos perdoam parte substancial da dívida, numa reestruturação com "hair-cut", ou deixam-nos renegociá-la, introduzindo um largo período de carência de juros, reduzindo drasticamente as taxas e prolongando as maturidades das tranches de dívida.

         Agora cabe perguntar: então, mas somos todos tão esclarecidos, temos todos a receita, já sabíamos há muito qual o resultado desta política e no governo, na troika e na Europa não sabem? São burros, andam distraídos? É claro que sabem. Todos eles, como é óbvio. Mas cada um faz o seu jogo e desempenha o seu papel, neste autêntico teatro de marionetas. O governo português, porque está "entalado" pela troika e pelo programa de assistência que quer cumprir à risca, para que, quando ficar demonstrado que não funciona, não poder ser acusado de ser o culpado. A troika, porque é a mandatária de quem verdadeiramente comanda tudo na Europa: a Alemanha. E a chanceler alemã, que verdadeiramente é quem manda, apesar de também saber desde sempre que nada disto resultará, quer agradar à sua opinião pública, que vai votar no final deste ano. E está tudo dito. Os alemães querem ver os "preguiçosos" do sul a sofrer, a sofrer muito para que lhes sirva de emenda... Portanto só teremos novidades depois das eleições alemãs. Gaspar sabe disto e está a ver se nos aguentamos até lá. Mas na minha opinião, o ponto de viragem virá em Abril, quando for conhecida a execução orçamental do 1º trimestre e se confirmar o descalabro. Quando ele vier anunciar o óbvio e a necessidade de novos cortes e novas medidas de austeridade, vai "saltar a tampa"... E ninguém se atreverá a dizer "Ai aguenta, aguenta!"...

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