segunda-feira, 30 de setembro de 2013

O RESCALDO DAS AUTÁRQUICAS 2013


     As autárquicas de 2013 já lá vão e as nossas vidas cá continuam. Fizeram-se os debates do costume, com os comentadores habituais, apesar do alheamento das televisões e de cada vez maior número de portugueses, desencantados, desiludidos e zangados com os políticos e com os partidos. Ao contrário do que é habitual em noite de eleições, em que ouvimos todos a reclamar vitória, ontem houve derrotados. Assumidos. E há conclusões importantes a retirar. A primeira, é de que as pessoas estão fartas de um sistema que se esgotou e não quer mudar e que por isso se vão afastando como forma de protesto, sendo espelho disso o nível de abstenção que sobe de eleição para eleição. Outra conclusão importante é que as candidaturas independentes (mesmo que algumas, de independência tenham muito pouco) têm cada vez melhor acolhimento, como expressão de contraponto aos partidos e à sua má imagem actual e à vitalidade proveniente da sociedade civil. Este é um aviso àqueles que defendem a manutenção da lei eleitoral tal como está, ou seja, que continuem a ser proibidas nas eleições legislativas, como ontem ouvimos a Aguiar Branco, um pouco agastado com o nível de abstenção, mas defendendo que a essência da democracia são os partidos,não sendo portanto apologista das candidaturas independentes em eleições não autárquicas.
   
     Na minha opinião há dois partidos derrotados ontem: o PSD, é claro, com uma derrota estrondosa, bem maior do que se esperava, e o BE, pouco representado nas autarquias, mas ainda assim perdendo a única câmara que tinha. António José Seguro veio dizer que os partidos do governo tinham sofrido uma derrota. Não me parece que tenha sido o caso do CDS, pois que de uma câmara, que aliás manteve, passou para cinco. O PS venceu, como é evidente, pois ganhou a maioria das câmaras e por consequência a presidência da ANM, e teve a maioria dos votos, mas não com o brilho com que ontem se quis fazer crer. É que se ganhou câmaras importantes, como Coimbra, Sintra, Gaia e Vila Real (Lisboa eram favas contadas há muito e já era sua), também perdeu outras tantas, como Matosinhos, Braga, Guarda, Setúbal, Évora, Beja e Loures. Assim, parece-me que a vitória da CDU é ainda mais expressiva. A nível pessoal, também há derrotados e vencedores. Rui Moreira, que provou que é possível vencer em grandes autarquias sem uma máquina partidária por trás e que põe assim a nu muitos preconceitos contra candidaturas fora dos aparelhos partidários; António Costa, a quem se deve em boa parte, a título pessoal a grande vitória em Lisboa; Seguro, que provavelmente conseguiu ontem adiar alguma possível contestação e desafio ao lugar que ocupa. Derrotados, foram Passos Coelho,  Alberto João Jardim e Luís Filipe Meneses. Para este último provavelmente significou o fim da sua carreira política, para Passos pode significar um caminho com mais pedras daqui para a frente e para Alberto João, não significa nada, pois que estará de saída nas próximas regionais. Mas há que ver na sombra e tirar outras conclusões para o futuro próximo. No Porto, a par de Rui Moreira, quem venceu foi Rui Rio. Desde sempre adversário da escolha de Meneses, de quem nunca gostou, foi minando desde o princípio a sua candidatura, apoiando, mesmo que não declaradamente, Rui Moreira. E a uma semana das eleições, com as sondagens a darem a vitória a Meneses com alguma folga, Rui Rio veio a jogo declarar que está disponível para se candidatar ao comando do PSD. E penso que foi esta jogada de mestre que inverteu a tendência no Porto. Era quase caricato ver ontem nas televisões, ao lado de Rui Moreira, os velhos barões do PSD, como Valente de Oliveira e Miguel Veiga. No PS, esta vitória em Lisboa, dá a António Costa toda a margem de manobra para fazer o que quiser. O que os eleitores ontem quiseram transmitir, em Lisboa e no Porto, foi que querem políticos a sério aos comandos dos dois maiores partidos portugueses. Gente capaz, com provas dadas na vida e nos percursos políticos. E penso que tarde ou cedo isso vai acontecer, com António Costa no PS e com Rui Rio no PSD.

     Será bom que os partidos, vencedores ou derrotados, percebam a mensagem, vão encetando mudanças de procedimentos internos que conduzam a alterações no modo de elegerem os seus secretários gerais, que evitem que o que tenham para propôr aos portugueses como candidatos a primeiro ministro, sejam estes Passos e estes Seguros. O país não pode estar sujeito a isto. Mesmo com gente muito competente e de muita qualidade a tarefa seria gigantesca, quanto mais faltando-lhes tanto para lá chegar...

     Continuemos pois na nossa vida de cortes, taxas e impostos, aguardando as notícias que devem estar para chegar, com novas exigências da troika e do orçamento para 2014, agora já livres de mordaças eleitorais...

terça-feira, 24 de setembro de 2013

CONSULTA AOS ARQUIVOS DA MEMÓRIA - 1976

   O começo atribulado deste novo ano lectivo, com professores sem colocação e outros deslocados para muito longe da sua residência, trouxe-me à memória o início da minha carreira, como professor primário.
   Tinha 17 anos quando acabei o curso, em 1976. Tive portanto que esperar até ter 18, para poder começar a leccionar. Fui colocado no início de Maio seguinte, na povoação de Alhais, concelho de Pombal, na Mata do Urso. Lembro-me de me dizerem na Direcção Escolar de Leiria para ir de comboio e descer na estação de Louriçal e depois pedir boleia, pois não havia transportes nem... estrada! Assim fiz, depois das tensas despedidas, pois era a primeira vez que saía de casa. Com uma grande e pesada mala, para o que desse e viesse, lá parti, de autocarro até Caldas e depois no comboio até Louriçal, como me haviam dito. Chegado ali, confirmaram-me que havia duas maneiras de ir para Alhais: de táxi, metade do caminho por estrada de terra batida, ou a pé por um atalho pelo meio de pinhais. Como tinha receio de me perder e tinha o enorme malão, apanhei um táxi. A escola ficava junto de algumas habitações daquilo a que não se podia chamar de aldeia, pois as casas eram todas dispersas, muito humildes, sem electricidade nem esgotos. Eu tinha sido colocado na telescola. Os televisores funcionavam através de um gerador a gasolina, comprada pelos professores numas bombas que existiam ao lado da estação, como vim a saber depois e cujo pagamento nos era devolvido apenas no final do ano lectivo. Por esse motivo víamos apenas as emissões das disciplinas mais importantes. Tinha inscritos mais de 20 alunos, mas só apareciam 5. Os outros, já andavam a trabalhar com os pais e ia mensalmente a GNR a casa cobrar-lhes a multa por não comparecerem na escola. Os alunos, mal sabiam falar, o tempo das aulas era em boa parte ocupado a explicar-lhes o significado de cada palavra que utilizava. Viviam isolados de tudo e todos e pareciam bichos do mato. Tinham todos mais de 12 anos, havendo um com 17 anos. Eu tinha 18! A colega que me coube em sorte, tinha maus fígados e reunia um enorme lote de defeitos, como vim a descobrir a pouco e pouco. A tal ponto, de prescindir da sua boleia diária e passar a vir empoleirado atrás da bicicleta dos alunos que se revesavam a ir-me buscar à estação de Louriçal. No primeiro dia, tentei que alguma família de alunos me alugasse um quarto, com alimentação incluída. Ninguém se dispôs a isso, dizendo que não tinham casas em condições, o que provavelmente seria verdade. Regressei à estação, que não tinha nada além de uma pequena mercearia, onde me informaram que por ali ninguém me alugaria quarto. "Ainda se fosse a uma senhora...". Já era final de tarde e havia que resolver o problema, pois no dia seguinte era preciso regressar. Em desespero de causa, apanhei um autocarro, o último do dia, no sentido de Leiria. Disse-me o cobrador que na Guia, junto à paragem, havia um café que costumava alugar quartos. Quando lá chegámos, o cobrador entrou no café, trouxe o dono até cá fora e aquele disse que não, que já há tempo que não tinha quartos nenhuns para alugar. Que seguisse, pois em Monte Redondo havia uma pensão e talvez conseguisse ali. Em Monte Redondo saí e lá fui com a mala, até à pensão S. Cristóvão. O autocarro partiu e eu ali fiquei, dependente daquela pensão. Depois de um grande debate lá para dentro, entre os 2 irmãos (donos) e suas esposas, e eu a rezar para que me aceitassem, lá me vieram comunicar que tinham um quarto para mim e que me podiam assegurar almoço e jantar todos os dias. Foi um alívio! Era longe, tinha que apanhar o autocarro ou o comboio até à estação de Louriçal e depois seguir pelos pinhais até Alhais. E foi assim até ao final do ano lectivo. Os meus pais tinham que me ajudar financeiramente, pois o que ganhava não chegava para os transportes e para pagar a estadia na pensão. Nos anos seguintes, já com uma Vespa, andei a saltitar de escola em escola, a fazer substituições, 15 dias aqui, um mês acolá, com intervalos em casa. 3 meses na escola de Engenho, Marinha Grande, com entrada às 8,25m, em Fevereiro. Tinha que sair de Peniche às 7 horas, com um frio penetrante e só começava a amanhecer quando passava pela Nazaré. Em dias de chuva, e foram muitos, quando chegava à Atouguia da Baleia já ia encharcado, pois nem tinha impermeável. Ficava com a roupa a secar no corpo e muitas vezes acabava de a secar na viagem de regresso, quando já não chovia. Mas nunca faltei um único dia e antes da hora de entrada estava à porta da escola. Recordo um dia de temporal, com chuva intensa, ventania e trovoada. De tal forma intensa, que perto de Valado de Stª Quitéria, optei por parar para me abrigar debaixo de 2 grandes pinheiros, com algum risco, pois a trovoada era forte. Mas o granizo e o vendaval assim me obrigaram e ali fiquei, gelado e encharcado, à espera que passasse mais. Assim, passei pela Marinha Grande, Alpedriz (Alcobaça), Carvalhal e Baraçais (Bombarral), Ferrel, S.Bernardino, Lugar da Estrada e Serra D'El-Rei (Peniche). Sempre que havia uma vaga, chamavam a Leiria todos os professores por colocar. Quem não comparecesse ficava excluído nesse ano. Quantas vezes ia a Leiria, na Vespa, debaixo de chuva, quando havia um lugar para 90 candidatos e o meu número na lista andava lá para o fim! Já para não falar de lugares que se sabia estarem vagos, nunca apareciam a concurso e eram depois ocupados por meninas de pernas bonitas que se pavoneavam no meio da multidão que entupia a Direcção Escolar em dias de concurso e que eu via entrar nos gabinetes dos senhores directores, apenas reservados para esses acessos privilegiados... Como eu tinha muitos cabelos nas pernas, esses gabinetes sempre me estiveram vedados... Acabei por me fartar de tudo aquilo, do autêntico desprezo por quem andava ali a mendigar uns dias de trabalho, de coisas que via e com que não concordava e mandei toda aquela gente à fava. Em todos aqueles anos, apenas lá vi uma senhora que trabalhava com afinco, que era justa, competente e que gostava de ajudar os outros. Mas foi uma experiência que me marcou profundamente. Hoje ninguém suportaria o que eu passei. Mas mesmo nesse tempo, também tinha colegas que, quando eram colocados a 5 Km de casa, no dia seguinte entregavam um atestado médico! Sempre houve de tudo e sempre haverá. Considerei sempre que os meus alunos não tinham qualquer culpa do que me acontecia a mim e do modo como o sistema funcionava e portanto não os podia penalizar. Com todas as adversidades e estando a fazer uma coisa de que não gostava, sempre cumpri a minha missão o melhor que pude e que sabia, pois ninguém me obrigava a lá andar. Quando me fartei, vim-me embora e encerrei esse capítulo da minha vida. Antes de mim, outros tinham sofrido bem mais... A cada ano lectivo que começa, com os lamentos de tantos casos que as televisões nos mostram, regressam sempre estas minhas memórias do passado...

quarta-feira, 18 de setembro de 2013

O CINISMO DO FMI

  Saiu hoje mais um daqueles comunicados a que o FMI já nos vem habituando, em época de avaliações da troika. Enquanto em Washington, a madame Lagarde ou o sr. Blanchard, dizem coisas piedosas, como, "O FMI enganou-se nos multiplicadores e o seu efeito sobre as economias sujeitas a programas de ajustamento não é de 0,8%, mas de cerca de 1,8%"; ou como hoje, "que é preciso cuidado com a austeridade, que os seus efeitos sobre as economias podem ser muito mais adversos do que se previa" blá, blá, blá, os seus técnicos em Lisboa apertam-nos a tarracha e mostram-se inflexíveis nas metas orçamentais já definidas. Ora isto já ultrapassou a fase da hipocrisia e do cinismo, para passar ao puro gozo com Portugal e os portugueses. Já disse aqui e em outros fóruns, muitas vezes, que todos sabemos e a troika melhor que ninguém, que a receita que nos obrigaram a seguir teria resultados catastróficos sobre a economia e que sendo assim, a única explicação que encontro é a da punição. Mas está a aproximar-se a hora da verdade. Daqui a 9 meses, acaba o programa e toda a gente sabe que Portugal não conseguirá financiar-se sòzinho nos mercados. Mas isso já sabemos desde 2011! O que esses mesmos mercados nos dizem através das taxas que exigem para nos comprar dívida pública, é que não acreditam que Portugal consiga pagar a sua dívida, ou seja, o que ando a dizer há anos e que ouço muitos outros dizer entretanto. A taxa pedida para o prazo de 10 anos já passou dos 7,3%! Ninguém consegue pagar uma dívida que já representa perto de 130% do PIB, a não ser que a economia crescesse a taxas superiores a 4% ao ano. Isso é impensável em Portugal nas próximas décadas. Portanto, estão à espera que não haja dinheiro para pagar a fornecedores, a pensões e ordenados, para então se fazer uma reestruturação da dívida? Ou será preciso sentar os membros do governo, em conjunto com os elementos da troika, os chefes da UE, do BCE e do FMI, na sala magna da universidade de Lisboa e colocar um aluno de economia a dizer-lhes que um país com uma dívida pública de 130% do PIB, com uma taxa de desemprego de 20%, obrigado a fazer todos os anos cortes orçamentais de valor superior a 3 mil milhões, nunca conseguirá sair da recessão e sendo assim a sua dívida nunca parará de crescer e não é pagável? E que o resultado inevitável deste círculo vicioso é a bancarrota ou uma reestruturação da dívida que a evite e a empurre para a frente? Será preciso isso, para perceberem? É que cada ano a mais à espera que percebam, será mais uma década de recuperação para superar...

      Nunca foi tão verdadeira a célebre frase de António Aleixo: " Há tantos burros mandando em homens de inteligência, que às vezes fico pensando que a burrice é uma ciência"...

sábado, 14 de setembro de 2013

GRAVIDEZ ECTÓPICA DO ESTACIONAMENTO

     As estatísticas e as notícias de há uns anos para cá, mostram-nos à saciedade que a reposição geracional é um dos mais graves problemas que Portugal terá que enfrentar num futuro próximo. A constante quebra na taxa de natalidade leva-nos a tal conclusão. No entanto, quando me dirijo aos supermercados portugueses, fico sempre com a ideia que esse problema está finalmente resolvido. É que os lugares no estacionamento, reservados a grávidas e a deficientes motores estão invariavelmente ocupados! É certo que depois, lá dentro, nunca encontro ninguém com a barriga maior que a minha, nem nenhuma cadeira de rodas, o que me leva a concluir que devem ser gravidezes ectópicas e ligeiros deficientes mentais que, por o serem, fizeram confusão na interpretação dos sinais indicativos lá fora...

quinta-feira, 12 de setembro de 2013

A BAIXA NO IRC

Um dos assuntos que têm ocupado as últimas semanas nos noticiários, tem sido a hipotética e anunciada baixa no IRC, eventualmente a partir do próximo ano. Todos sabemos que a carga fiscal em Portugal é excessiva, que quando pensávamos que tinha atingido o limite, há sempre mais uma margem para aumento, que um torniquete fiscal como o nosso esmaga a economia, estrangula o investimento e impede o crescimento. Sabemos disso tudo. O próprio governo, que não viu ou não quis ver outra saída para tentar atingir as metas impostas pela troika senão aumentar "enormemente" os impostos, é o primeiro a admitir tudo isto.
    De há algum tempo para cá, há uma corrente que advoga a descida do IRC, com o objectivo de captar novas empresas e novos investimentos, dando como exemplo do êxito desta política, o caso da Irlanda. Como princípio e numa primeira e rápida análise, aparentemente é uma boa medida e tudo o que seja baixar impostos é bom. Mas vejamos: o IRC é um imposto que incide sobre os lucros das empresas. Uma boa parte das pequenas e médias empresas portuguesas não paga IRC, porque declara sempre prejuízos, ou lucros residuais. O grosso da receita deste imposto, é pago por meia dúzia de grandes empresas. Serão então estas a beneficiar de uma eventual baixa na taxa do imposto. E o objectivo de atrair novos investimentos e novas empresas? Será isto decisivo para uma opção estratégica desse género? Não me parece. Primeiro, porque em Portugal nada é estável. Hoje é assim, mas amanhã com outro governo, poderá ser diferente. Já ninguém acredita em Portugal. Depois, entre os vários factores que levam ou não uma empresa a decidir-se por uma determinada geografia, a estabilidade fiscal é uma delas. Nós não a temos. Uma boa máquina judicial, desburocratizada e ágil é factor decisivo. Nós não a temos. E no momento que atravessamos, com o país intervencionado pelos credores, só se os outros factores fossem mesmo muito atractivos é que alguém se sentiria atraído por Portugal, quando tem dezenas de outras alternativas. Portanto, meus caros, o efeito real que a baixa do IRC vai ter, será um impacto residual na atracção de novas empresas, mas em contrapartida vai gerar uma grande poupança naquelas grandes empresas que já fogem a todos os impostos em geral, fazendo o seu "planeamento fiscal", colocando as suas sedes em outros países e servindo-se de Portugal apenas como "mamadeira", incluindo em larga medida o Estado. São todas as do PSI-20, excepto uma, mas também muitas das outras que nem estão cotadas em bolsa. E vamos ver onde o governo irá buscar a receita para compensar a quebra no IRC. Serão as vítimas eleitas por Passos, a tapar mais este "buraquito", os funcionários públicos e os reformados? Veremos os próximos capítulos...